sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Memórias

Eu perdi alguns de meus dias. Se me perguntarem o que fiz nesses dias, o que aconteceu, eu nunca conseguirei responder. Minha memória me trai. Ela vai embora discretamente, sem que eu perceba. De repente, eu me vejo sem ela, perdida, sabendo que nunca mais voltará, por mais que me tentem trazê-la novamente. Por mais que ele a traga para mim inteiramente, em mínimos detalhes.

Eu conheci o João quando era jovem, bem jovem. Quando o corpo era casto e ansioso de amor. Ele me falava coisas lindas, as quais não consigo me lembrar agora. Mas sei que eram belas, senão eu não teria me apaixonado. Às vezes ele ainda me escreve cartas, trazendo as poesias e as músicas prometidas há anos atrás. São todas lindas, mas sequer lembro-me de ter pedido-as, sequer me lembro da existência delas. Ou das demais promessas que ele insiste em cumprir.

E me vêm em formas de cartas e canções as Pasárgadas, os sonetos, Brigite Bardot, Vinicius de Moraes, Neruda, o pequeno príncipe e até Ismália fazendo sua escolha diante do mar. Talvez se eu me lembrasse dele da mesma forma como ele se lembra de mim... se eu soubesse que ele prefere torta de morango a bolo de laranja ou doce de leite à goiabada, tudo ficaria mais fácil. Eu retribuiria à altura todo aquele amor. Eu reiteraria cada declaração de paixão eterna que fiz com meus dezessete anos; enxergaria o fundo de sua alma e conseguiria lhe dar tudo o que lhe falta; mataria com um gesto a sua sede de carinho e preencheria o seu imenso vazio, que se formou quando me mudei por causa da guerra. Mas sequer me lembro das coisas que eu falava à época. Faz anos. O que me restou foi apenas uma carta, e eu acho que joguei fora na reforma do ano passado. As nossas músicas nem tocam mais no rádio e, se tocam, já não as reconheço mais, meus ouvidos já não são tão bons como antes. Mas naqueles olhos negros algo me toca, algo me impede de revelar a verdade, de atirar na cara todo esse desconhecimento, toda essa ignorância. Talvez seja o medo de jogar fora um amor de vida inteira, mesmo que ele seja falso.

O fato é que, de repente, o João começou a me atrair; não pelas cobranças do antigo amor jovem, mas pela tamanha certeza e esperança desse senhor, que age ignorando tudo o que o mundo tem de ruim. Não pelas músicas que ele vem me dedicar, mas sim pelas mãos pesadas que se suavizam tão logo me acariciam a face. A partir do antigo, veio-me essa nova paixão; agora sem medo, impedimentos, cobranças ou qualquer direção. Porém, ele insiste na saudade.

E o que me resta é aceitar esse eterno amor imposto; é esconder a estranheza do meu rosto e fingir que também me afogo em nostalgia. Resta-me amar esse jovem crescido, ainda tão inocente, como se o amor não tivesse morrido, decomposto-se e, então, nascido novamente.

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